Trezentos e sessenta e cinco dias se passaram desde a morte de uma das artistas brasileiras mais imponentes da história: Marília Mendonça. A goiana, que nasceu na pequena cidade de Cristianópolis, morreu em um trágico acidente aéreo em Piedade de Caratinga, no Rio Doce, em 5 de novembro de 2021. O país chorou a morte da artista.
Naquele dia, por volta das 16h, começaram a circular imagens do avião caído em uma cachoeira. Pouco depois, o nome de Marília foi mencionado como uma das possíveis tripulantes. A mesma aeronave foi vista em um vídeo postado por ela nas redes sociais, onde ela comemorava a vinda para Minas Gerais, terra da cachaça e do pão de queijo.
A história de que ela estava no avião chegou a ser desmentida, mas, algumas horas depois, confirmada pela Polícia Militar (PM) e pelo Corpo de Bombeiros. O tenente Fábio Fonseca, da PM, estava no Aeroporto Regional de Ubaporanga, a poucos quilômetros do local, aguardando a artista. Ele viu o momento da queda da aeronave.
"Um senhor que trabalha no aeroporto viu a aeronave e falou: 'bateu, vai cair, vai cair'. Quando a gente olhou para cima, a aeronave já estava perdendo a altitude. Um cheiro muito forte de combustível. Ela começou a rodar e caiu. Imediatamente nós pegamos a viatura e deslocamos para o local. A minha equipe foi a primeira a chegar no local", contou.
Enquanto o tenente via o momento da queda do avião pelo aeroporto, o empresário Aníbal Martins assistia a tudo em outro ângulo. Ele mora no condomínio onde fica a cachoeira e percebeu a queda da aeronave de perto.
"Eu vi o momento em que ela caiu, algo em torno de uns três, no máximo quatro segundos, após a colisão com o cabo da torre de transmissão. O avião desceu em uma linha reta até o local da queda. No momento em que soltou o motor, o avião acabou batendo em cima da rocha", disse.
"Eu fui a primeira pessoa a chegar porque estava próximo, estava a 150 metros do local. Esse dia eu não fui para a empresa, eu fiquei aqui no meu sítio acompanhando alguns trabalhos que estavam sendo realizados [...] Eu não fui ao lado da aeronave com medo da explosão. O vazamento de combustível era muito grande, o cheiro de querosene muito forte. Nesse momento, eu já havia ligado para o Corpo de Bombeiros, para o Samu e para a Polícia Militar para que eles pudessem prestar os primeiros socorros", acrescentou Aníbal.
Para o empresário, se o motor não tivesse soltado, o avião teria caído em uma pousada que fica perto da cachoeira. "Essa aeronave passou sobre três casas. Por sorte, ela não caiu sobre nenhuma delas. No local da queda, o motor se soltou, o que fez a aeronave entrar em estol (termo usado para indicar perda de sustentação) e ali ela caiu. Se esse motor não se desprendesse da fuselagem, essa aeronave teria caído sobre uma pousada que está a 150 metros abaixo [...] A pousada estava cheia", afirmou.
A Polícia Militar foi a primeira corporação a chegar à cachoeira. O local era de difícil acesso, estava escorregadio e o avião não tinha estabilidade. "A prioridade naquele momento era tentar salvar as pessoas que estavam dentro do avião. O avião caiu em local de cachoeira, estava com um cheiro muito forte de querosene, com risco muito alto de explosão, de queda da aeronave e também trazia perigos aos militares [...] Quando o Corpo de Bombeiros chegou, nós conseguimos cordas para amarrar os militares para não correr o risco de ninguém se machucar. Conseguimos um pé de cabra e tentamos arrombar a porta da aeronave, porque ela ficou emperrada com a queda", detalhou o tenente Fábio.
Ao abrir a aeronave, o tenente avisou três corpos. "A parte interna da aeronave estava toda destroçada. Recebemos o apoio de um médico do Samu. Nós amarramos ele para não correr o risco de cair, e ele foi até o interior da aeronave e atestou o óbito das pessoas presentes. Em um primeiro momento, a gente conseguia ver três pessoas, que eram os passageiros. O piloto e o co-piloto estavam em outro compartimento. Somente depois conseguimos ver que, infelizmente, eles também estavam sem vida".
Para resguardar os corpos e a cena do acidente, os militares precisaram ter muita cautela. Isso porque várias pessoas acompanhavam o momento do resgate, com aparelhos de celular e câmeras fotográficas. "Elas foram tiradas da cachoeira, colocadas em macas e levadas sem a exposição do corpo graças ao trabalho intenso das equipes envolvidas. Grau de dificuldade muito grande, a aeronave estava instável, balançando no momento em que estava sendo feita a retirada das pessoas", explicou.
Além de Marília, morreram no acidente o produtor da cantora Henrique Ribeiro, o tio dela, Abicieli Silveira Dias Filho, o piloto Geraldo Medeiros Júnior, e o co-piloto Tarciso Pessoa Viana.
Avião íntegro

Distantes a poucos metros uma das outras, as cidades de Piedade de Caratinga, Ubaporanga e Caratinga contam com o Aeroporto Regional de Ubaporanga, onde rapidamente chegaram imagens do avião em que viajava Marília Mendonça caído na cachoeira. Piloto em Caratinga, Luís Henrique de Araújo descreveu que as imagens do avião íntegro trouxeram esperanças para o público em geral de que os passageiros e a tripulação estivessem vivos; entretanto, para conhecedores de aviação, era nítido que havia algo de errado ali.
"No dia da queda eu estava em casa e depois começaram a surgir as primeiras notícias. Quando eu vi o avião na situação que ele estava, íntegro, e o local onde ele caiu, fiquei imaginando como que o piloto fez aquele pouso naquele lugar e fiquei feliz também porque o pessoal tinha falado que ela estava no hotel, né? Eu fui correndo para o lugar para ver e talvez prestar alguma assistência por ser piloto, algum conhecimento que pudesse ser usado, mas, infelizmente, quando eu cheguei lá, vi que um médico constatou as mortes e decidi ir embora. Eu fiquei muito triste com essa situação", disse.
"Aí, na mesma hora, eu peguei e fui embora, conversei com o pessoal da Cemig... Eles me disseram que realmente o avião tinha esbarrado no fio e, pelos meus conhecimentos, eu vi que decorrente de ter esbarrado nesse fio, ele perdeu o controle do avião e caiu naquele lugar", continuou.
Luís explicou qual seria o percurso que a aeronave que transportava a cantora faria naquele dia. "Ela chegou pelo setor Noroeste/Oeste aqui de Caratinga e esse percurso já se enquadrava praticamente na perna do vento. A perna do vento é um segmento paralelo à pista de pouso. Nesse segmento, a gente já tem que estar com o avião configurado. O trem de pouso baixado, os flatos baixados, a velocidade do avião reduzida, o motor reduzido... Isto tudo para fazermos a curva base e ingressar na reta final para pouso. Só que em Caratinga, essa curva base, ela conflita com um morro, justamente onde aconteceu o acidente dela", esclareceu.
Cidade preparada para receber Marília Mendonça
Marília se hospedaria em um hotel no bairro Rodoviários, em Caratinga. "A gente realizou todo o planejamento do hotel - tanto para receber a cantora quanto para receber a equipe e a todos em torno dela na cidade. A gente tinha preparado o quarto, montado toda a estrutura de segurança para recebê-la", explicou o empresário e ex-funcionário do hotel onde a cantora ficaria hospedada, Cristiano Ferreira.
"Inclusive, quando aconteceu o acidente, a equipe da banda dela já tinha chegado ao hotel, eles já estavam hospedados com a gente. A cantora ficou de vir de avião junto com algumas pessoas [...] A gente tinha uma expectativa muito grande tanto pela hospedagem no hotel, quanto pela movimentação na cidade. Praticamente só se falava desse assunto, só se falava desse show”, completou.
Investigações
Em coletiva realizada nessa sexta-feira (4), a Polícia Civil não descartou falha humana como o elemento causador do acidente. "Se descartada qualquer falha de motores, a gente consegue caminhar para a conclusão de uma falha humana", afirmou o delegado Ivan Lopes Sales, responsável pela investigação.
No entanto, ele esclareceu que é necessário aguardar o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgar o laudo técnico. O órgão citou que a investigação está em andamento.
"A próxima etapa prevê a discussão sobre a minuta do relatório com os representantes acreditados dos países de fabricação da aeronave e dos motores. Concluídas as análises, serão emitidas as recomendações de segurança", disse.
O Cenipa destacou, ainda, que as investigações "têm como objetivo prevenir que novos acidentes com características semelhantes e distintas ocorram, não buscando determinar culpa ou responsabilidade; e são concluídas no menor prazo possível, considerando-se o nível de complexidade de cada acidente".